A ira de Bonner

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20.8.14

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Todos assistiram, na noite de ontem, a um massacre de fazer inveja ao Marcelo Rezende e ao Datena. O autor dos disparos foi o âncora mais famoso da Globo, William Bonner. A vítima, nada mais, nada menos, que a presidenta deste país e candidata à reeleição, Dilma Roussef. Durante a entrevista, cada pergunta certeira provocava, na atacada, nervosismo e emissão de palavras e expressões desconexas. Há quem diga que o princípio da imparcialidade jornalística não foi considerado naqueles poucos minutos, ainda mais quando se compara a referida entrevista a outras realizadas com os demais candidatos. Apesar disso, aquele momento foi um dos mais importantes para o processo eleitoral deste ano.

À princípio, é importante salientar a grande vantagem da presidenta quando se trata de sua promoção eleitoral, pois ela tem o poder de tomar iniciativas públicas de cunho fortemente favorável à sua eleição. A isso se soma o fato de que Dilma possui 11 minutos e 24 segundos disponíveis para suas propagandas no horário obrigatório, enquanto os outros dois candidatos mais cotados, juntos, têm pouco mais da metade desse tempo. Além disso, o PT, por alguma razão, conseguiu criar, nos brasileiros, o sentimento de que o estado no qual se encontram é o mais seguro possível, e que mudar de governante seria muito arriscado. Todos esses fatores propiciam uma enorme vantagem à presidenta, a qual, além de ter edificado um comodismo sólido no povo, possui mais oportunidades de agregar elementos positivos à sua candidatura.

A fim de se promoverem discussões comprometidas com a realidade, é fundamental a existência de agentes capazes de balancear tamanho favorecimento. O principal deles são os debates na mídia, nos quais os candidatos demonstram o quão seguros estão acerca das diversas questões relacionadas à sua vida pública e às suas intenções e ações quando diante do poder. O confronto é o elemento principal desses
eventos, é o instante no qual os envolvidos são colocados frente a frente com as suas atitudes suspeitas, os seus faturamentos sem explicação, os seus resultados pouco divulgados e as decisões controversas de seu grupo ideológico. As entrevistas, por sua vez, eram apenas mais um meio de divulgação das campanhas ou, no máximo, um espaço para perguntas leves, com um nível baixo de controvérsias.

Ontem, Bonner alterou isso. Ele poderia ter aliviado o discurso, poderia ter dado a ele um tom mais jornalístico, mais suave, mas não o fez. As razões são das mais variadas, dado o histórico da Globo de favorecimento de candidatos em eleições presidenciais. Mas, por mais imprudente que o âncora tenha sido, não se pode negar o grande serviço por ele executado: as questões mais críticas do governo de 12 anos do PT foram jogadas, fervendo em sua forma mais pura e simples, nos braços de Dilma. Por que, durante todos esses anos, a saúde se mantém em um nível tão deplorável? Por que a economia passa por uma fase tão ruim? Ao consentir com a visão petista de que os mensaleiros são, na verdade, heróis, não estaria a presidenta sendo conivente com a corrupção?

Tais perguntas poderão surgir em alguns dos muitos debates próximos, mas talvez fossem entendidas como meras picuinhas entre políticos tentando derrubar uns aos outros. Fazê-las no Jornal Nacional, em um tom impositivo, colocando à prova a imagem consolidada da presidenta segura e bem-feitora, pode ter sido um erro jornalístico muito grave; porém, adequou-se à necessidade de se confrontar o status quo. A atual presidenta não conseguiu responder de forma clara aos questionamentos, sempre tentando desviar dos temas propostos, apesar dos esforços do jornalista; e, quando respondia, fazia-o com insegurança e confusão. Bonner descarregou o cartucho, metralhou a muralha. Agora resta esperar que o povo não tenha ignorado os deslizes da presidenta, e comece a basear o seu voto em algo além de mero comodismo.

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