Um clássico em território potiguar

/**

23.6.14

0 comentários */
É com grande tristeza e comoção que a vez de Natal chegou. Alguns pontos da cidade, desde a semana passada, vêm sofrendo com a fúria da natureza. Sim, essa impiedosa entidade, que a si própria tantas vezes destruiu e recriou, agora inocula, sem aviso prévio, seu límpido veneno sobre este lugar. Todos os esforços empregados pelas gestões ao longo desses anos, todas as leis do plano piloto criadas e respeitadas à risca pelos moradores e órgãos públicos e tantas campanhas em prol do correto uso dos terrenos civis de nada serviram perante as chuvas incontroláveis deste mês.

É claro que todo esse palavrório é fajuto e, se você é um brasileiro consciente, certamente leria o parágrafo acima com um mínimo de ceticismo. Essa personificação da natureza é a principal ferramenta usada por governos para tentar livrar de suas costas a culpa por desastres, e até constituiria uma justificativa válida, mas somente se esses fossem os primeiros acidentes naturais vivenciados pela humanidade, o que não é o caso. A natureza já obrigou, e continua a obrigar, a espécie humana a se adaptar das mais diversas formas, disso se sabe muito bem. Nesse cenário, há duas atitudes possíveis a se tomarem: prevenir-se ou ignorar os avisos e remediar os efeitos das catástrofes quando elas ocorrerem. Ao menos hoje, a segunda via é a que impera no Brasil.

E não é necessário retroceder tanto no tempo para encontrar exemplos. Todos os anos, várias regiões do país sucumbem perante a chuva, a qual destrói vidas e lares, deixando milhares de famílias desabrigadas e desoladas. Em 2011, na Região Serrana do Rio de Janeiro, 900 pessoas morreram e mais de 150 permaneceram desaparecidas naquilo que foi considerada a maior tragédia natural da história do Brasil. Esse é um fato previsível; é, como se diz, "clássico". A natureza, portanto, não é a culpada, não é má, simplesmente, porque ela é uma propriedade inerente ao planeta em que vivemos. Ela impõe condições a serem satisfeitas para a vida pacífica. A vida na Terra possui um contrato implícito, e nós o assinamos, reconhecendo todos os possíveis riscos. Aliás, a natureza é, sim, deveras bondosa, deu-nos a possibilidade de explorar seus recursos para criarmos alternativas de sobrevivência.

Natal, neste mês de junho, é o exemplo mais próximo e recente que se tem de efeitos causados por chuvas em áreas de risco. A vítima mais marcante da desgraça foi o bairro de Mãe Luíza, onde uma cratera com 100 metros de largura, 10 de extensão e 30 de profundidade se abriu, em um movimento que aumentou o risco de desabamentos e mais deslizamentos. Teríamos sido pegos desprevenidos? A falta de prevenção é justificada? Uma notícia da Tribuna do Norte mostra que não. Consoante a reportagem, um documento datado de 2008 revela um estudo apontando 74 regiões de risco, o qual, de tão desatualizado, não contava com Mãe Luíza. Esse documento foi produzido por uma empresa sob contrato assinado com a prefeitura, que abandonou o projeto na administração passada. Um número alto assim deveria ter gerado uma preocupação maior, mas a questão foi ignorada.

E as chuvas continuam. Hoje, dia 23, preveem-se temporais igualmente devastadores. As regras do bom escrever dizem que agora deveriam ser propostas soluções, mas é difícil sentir-se motivado quando se sabe que o bem-estar da população não atiça o interesse por mudanças urgentes mais que uma Copa do Mundo iminente. Porém, como a solução é única, simples de entender e bem clichê (mas não por isso ilegítima), aí vai: é preciso votar bem, em alguém capaz de voltar as atenções à qualidade de vida da população... E, além disso... Bem... É melhor parar por aqui, porque se minha desmotivação continuar aumentando a cada tecla pressionada, entrarei em depressão profunda.

A cratera em Mãe Luíza

Referências:

http://tribunadonorte.com.br/noticia/areas-de-risco-solucao-engavetada/285573
http://tribunadonorte.com.br/noticia/tres-veiculos-ficam-soterrados-apos-novo-deslizamento-em-areia-preta/285684
http://tribunadonorte.com.br/noticia/previsao-e-de-chuva-intensa-ate-a-quarta-feira/285707
http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/coberturas/chuvas-na-regiao-serrana-rj-/a-historia.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário