Jesus Christ Superstar e a crítica burra

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27.2.14

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Os fanáticos religiosos são conhecidos, principalmente, pela sua exacerbada ignorância. Em breves palavras, são pessoas incapazes de perceberem outros prismas senão o seu próprio. Ontem, dia 23 de fevereiro, um grupo iniciou uma campanha contra o mundialmente aclamado espetáculo "Jesus Cristo Superstar", o qual conta com letras brilhantes de Tim Rice e músicas de Lloyd Webber, para compor uma versão diferente da história de Jesus. No Brasil, a obra ganhou recursos a partir da Lei Rouanet, despertando a fúria de alguns cristãos. Ocorre que estes, ao terem suas motivações descortinadas, deixam evidente a sua falta de entendimento do objeto criticado, o que os leva, como de costume, a tomar atitudes e posições precipitadas e desconexas com a realidade.

Como o conhecimento é o passo primordial para se poder criticar alguma coisa, é interessante se compreender no que consiste o espetáculo. Ao assisti-lo, dois elementos se destacam em meio à cantoria: o trabalho psicológico e o anacronismo.

O primeiro se evidencia pela preocupação do autor em focar a obra nos medos, aflições, anseios e questionamentos dos personagens, sempre buscando seguir as descrições bíblicas. O que gera a polêmica é o fato de Jesus sair de sua pose heroica, quase sobre-humana, como é retratado em muitos filmes, para um patamar afastado do divino, do intocável. Por exemplo, uma das canções mais interessantes é a "Gethsemane", em que Jesus conversa com Deus sobre as questões, martelantes em sua mente, acerca da sua crucificação. Nela, ele demonstra as suas dúvidas e os seus temores diante de um dos acontecimentos mais emblemáticos do Novo Testamento.

Judas, outro personagem muito bem construído, é o símbolo da crítica, do ceticismo, da razão. Durante a história, ele está sempre tentando mostrar que toda aquela fama adquirida por Jesus poderá ser um modismo muito caro para eles dois, pois havia grupos, na época, postos contra toda aquela inquietação causada sobre a população pelo dito "messias", visto que este, da forma como se mostrava, representava uma ameça potencial para o domínio político em vigor.

É nesse primeiro aspecto que os religiosos revoltados encontram algumas daquelas que chamam de "justificativas". Para eles, a peça ofende a imagem de Jesus, justamente, por mostrar a história sob o ponto de vista de Judas. Ora, por que se deveria repudiar uma possível versão para a história de Jesus cuja fonte primordial é a Bíblia? O autor não inventou, não imprimiu suas vontades e opiniões. Em nenhum momento, Jesus é vilipendiado ou o são aqueles em que nele creem. A peça é apenas uma forma diferente de se contar a mesma narrativa.

Já o anacronismo, um dos responsáveis pelo caráter humorístico da peça, apresenta-se na mistura de vestimentas, equipamentos, máquinas, armas e modos de vida de um tempo futuro com aspectos do tempo em que se passa a história. Em "Jesus Cristo Superstar", portanto, não é estranho que soldados apareçam com roupas muito justas e tanques de guerra surjam escalando montes de areia. Essa característica revela a tentativa de mostrar como essa história - a de Jesus, não importa o modo de ser contada - influenciou e continua a influenciar milhões de pessoas pelo mundo, estendendo seus limites para muito além de sua época.

Outro argumento utilizado pelos revoltados sem causa é que os investimentos nessa obra ferem a laicidade do Estado. Essa ideia, entretanto, foi formulada considerando que a peça é de cunho religioso ou ateísta, quando, na verdade, seu caráter é muito mais histórico. Não há uma tentativa de impor fé ou a falta dela, de discutir moral religiosa, de fazer proselitismo, muito menos de ligar aspectos nacionais à religião cristã. É apenas mais uma obra de arte com uma história para contar.

A versão brasileira estará pronta em março e presenteará os espectadores com uma ópera-rock fantástica, cantada por artistas competentes, como Negra Li, Igor Rickli e Alírio Netto. Todos os personagens foram muito bem trabalhados, estão prontos para demonstrar suas emoções humanas, seus questionamentos sobre o que os rodeia, suas aflições acerca do desconhecido e do ameaçador. Só resta conseguir uma poltrona aconchegante, abrir um pouco a mente para novas interpretações e ignorar os fanáticos, incomodados sem razão.

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